Tchrrruummm! Tchrrruummm!

Os vultos negros alimentam a fornalha com o preto carvão. Os movimentos sincronizados  são fiscalizados por mim, mestre das caldeiras, através da luneta. O igneo das chamas permanentes projecta as sombras dos trabalhadores. O barulho ensurdecedor do movimento cíclico e constante dos pistões sobrepõe-se a tudo. É impossível pensar ali em baixo.

Tchrrruummm! Tchrrruummm!

Afasto-me da protecção metálica que ladeia a plataforma. Verifico os mostradores. A temperatura e a pressão estão normais. Como mestre das caldeiras, sou o único que não pode usar protecções para os ouvidos. Tenho de reagir de imediato a qualquer alteração do som. As diferenças eram tão diminutas que passariam despercebidas a quem estivesse destreinado.

Tchrrruummm! Tchrrruummm!

De mim depende o fornecimento energético da cidade. Toneladas e toneladas de carvão alimentam aquelas caldeiras sobre a minha supervisão. Cada pistão pesa perto de vinte toneladas e era o pináculo da tecnologia existente. O movimento dos gigantes eixos de transmissão imprime movimento a ímanes descomunais, que geram electricidade. Acabei de verificar a última caldeira e o turno de oito horas está a terminar.

Tchrrruummm! Tchrrruummm!

O meu antecessor morrera na explosão das caldeiras da secção B, dois anos antes. Segundo puderam apurar, não se apercebera da falta de lubrificante nos pistões, a qual dá tons ligeiros de fricção de metal em metal. Uns minutos depois de terem encravado, uma explosão soltou os vapores escaldantes. Os que não pereceram pelos detritos, sofreram queimaduras tão extremas que não foi possível salvar ninguém com vida.

Tchrrruummm! Tchrrruummm!

Assim me tornei o mais novo mestre das caldeiras de sempre, com apenas trinta e quatro anos. A ronda mostrou-me que tudo estava normal. Decido ir dormir. Preciso de descansar. Através do painel, mando uma mensagem, em Morse, ao meu assistente. A sirene que marca o fim do turno faz-se ouvir tenuemente acima do barulho. Retiro-me para os meus modestos aposentos que, felizmente, são à prova de som. Deixo-me cair na cama vestido.

Tchrrruummm! Tchrrruummm!

O som sobressalta-me, despertando-me de imediato. A cabine é à prova de som. A custo levanto-me e vou verificar a porta. Está estanque. Volto a deitar-me. Adormeço de imediato. Com uma nitidez aterradora, apercebo-me que estou a sonhar com o barulho.

Tchrrruummm! Tchrrruummm!

 Forço-me a acordar e, quando abro os olhos, o barulho continua. Olho para a porta que permanece fechada. Não é possível. O barulho não pára. Agarro nas protecções para os ouvidos e coloco-as.

Tchrrruummm! Tchrrruummm!

Esfrego os olhos e dou um beliscão em mim mesmo para verificar que não estou a sonhar. Algo está muito errado. Num impulso, abro uma gaveta e retiro um pacote.

Tchrrruummm! Tchrrruummm!

É um par de protecções que nunca foi usado. Tem de estar em perfeitas condições. A qualidade do produto é assegurada. Coloco-os.

Tchrrruummm! Tchrrruummm!

Não é possível. Será que o barulho se tornou mais volumoso? Se calhar passa-se algo. É melhor verificar. Retiro as protecções, mas não as largo.

Tchrrruummm! Tchrrruummm!

Abro a porta. Os barulhos parecem-me normais. Experimento meter os bloqueadores mais uma vez.

Tchrrruummm! Tchrrruummm!

Não acontece nada. Atiro-os para longe. Percorro a plataforma rapidamente. Apesar de reconstruída, a secção B não está em funcionamento.

Tchrrruummm! Tchrrruummm!

Ao chegar à secção A, vejo que tudo parece normal.

Tchrrruummm! Tchrrruummm!

Olho os mostradores. Os valores não fazem sentido.

Tchrrruummm! Tchrrruummm!

A pressão está demasiado alta. Mas o barulho parece-me normal.

Tchrrruummm! Tchrrruummm!

Mais vale prevenir. Grito para os trabalhadores pararem de alimentar as caldeiras.

Tchrrruummm! Tchrrruummm!

Não ouço a minha voz. Estarei surdo? Mas como é que ouço o barulho dos pistões?

Tchrrruummm! Tchrrruummm!

Percebo tudo. O barulho que ouço está apenas na minha cabeça.

Tchrrruummm! Tchrrruummm!

Uma explosão de luz arrebata-me. Não a ouço.

Tchrrruummm! Tchrrruummm!

A minha pele queima. Algo infinitamente quente me invade os pulmões.

Tchrrruummm! Tchrrruummm!

Luto para me manter consciente. Os pistões já não existem mas continuo a ouvi-los.

Tchrrruummm! Tchrrruummm!

As dores são enormes.

Tchrrruummm! Tchrrruummm!

Tchrrruummm! Tchrrruummm!

Tchrrruummm! Tchrrruummm!

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