O sol incidia no pendente de cristal espalhando o arco-íris pelo quarto. As cortinas ondulavam na brisa matinal, revirando a pequena bola e fazendo-a rodar ao sabor da aragem. Deitada na cama, de frente para a janela, os cabelos loiros caíam-lhe sobre o rosto. Nada mexia para além da dança de cores, nem o subir e descer do peito ou o corpo a mudar de posição.

Nico avançou pelo quarto, envolto em silêncio. – Mãe… – murmurou. Contornou a cama e repetiu. – Mãe…

Ela não se voltou. Não abriu os olhos. Não sorriu, como sempre fazia, quando Nico a procurava ao início do dia.

Pé ante pé, aproximou-se dela. Ergueu a mão e pousou-a sobre os revoltos cabelos loiros. Sentou-se na beira do colchão por um instante e, a seguir, enrolou-se ao seu lado. Ela não se mexeu. Não falou com ele. Não o puxou para o seu abraço. Há muitos dias que não podia puxá-lo para ela. Ficaram ali. Ela, tombada sobre o flanco, abraçada ao tronco, de cabelo no rosto. Nico, de olhos postos na miríade de cores que bailavam pelo chão do quarto.

Eles vinham aí. Daí a nada, todos eles estariam ali. E depois, Nico podia regressar ao seu canto… mas, por agora, far-lhe-ia companhia como sempre fizera, antes de tudo começar. Antes de não poder ir até ela. Nico tentou aconchegar-se na mãe, estava fria e dura, não o recebendo no seu abraço.

O som de passos chegou-lhe aos ouvidos. O pai? O tio? Esperou, tão inerte como o corpo da sua mãe.

– Mira? Mira? – a voz grave do tio soou. – Mira, o que fizeste? – perguntou, correndo para a cama.

Nico, de pé, ao lado do corpo da mãe, observava o tio Octávio pousar um joelho no colchão e agarrar a sua mãe por um braço, que não cedeu. Tentou voltá-la, despertá-la do sono. Mas daquele sono ninguém voltava.

Viu os olhos azuis encherem-se de entendimento, e depois, de lágrimas. Viu-o recuar, afastar-se dela e apanhar alguma coisa do chão. Uma lamela de comprimidos. Dois pares amachucados restavam sobre a mesa-de-cabeceira, vazios.

O tio limpou as lágrimas com as mãos, empurrando as mechas de cabelo claro da testa. Inspirou e rodou nos calcanhares, precipitando-se para o corredor.

Os outros viriam e o corpo da sua mãe seria levado dali. Mas o espírito dela estava ainda com ele. Nunca mais a separariam dele. Nico voltou a deitar-se ao lado dela, à espera.

Via agora que ela não sabia. Tinha a certeza que ela não sabia. Sorriu, não contendo a lágrima que escorreu pelo canto do olho. Ela era ainda a sua mãe. Nico suspirou, sentindo o alívio invadi-lo.

Sorria ainda quando a voz do tio ecoou pelo corredor e os passos apressados interromperam o último momento com a sua mãe. Eles iam levá-la mas ele ficaria. Ela não estava mais ali. Seria só ele e os que sabiam. Todos eles sabiam.

actos de dor