Aurora correu para a embarcação. Ignorou o bater do coração acelerado e continuou a puxar a mala de rodas atrás de si, enquanto amparava a mochila que trazia às costas.

No fundo da doca o “Froja”, um iate branco com duas listas azuis, balançava ao sabor das vagas. No convés, três pessoas conversavam, ouvia-se um Inglês com um sotaque nórdico arranhado e outro britânico típico. Os forçados companheiros de viagem e um membro da tripulação. Entre os três dividiam o gasto de uma pequena fortuna que os punha nos fiordes noruegueses, à beira da floresta e da aurora boreal, em comunhão com a Mãe Natureza, como anunciado na publicidade.

O organizador estendeu a mão a Aurora para ajudá-la a descer da plataforma de embarque. De cabelo loiro cortado rente, uns brilhantes olhos azuis e um rosto nórdico de beleza tradicional, deu as boas-vindas a Aurora, e prosseguiu a explicar o percurso que iam tomar, assim que o último passageiro chegasse. A outra mulher naquela viagem agarrava o corrimão, olhando as escadas a pique que desciam aos alojamentos temporários quando uma voz masculina ecoou pelo porto.

O marinheiro loiro regressou à plataforma, recebendo o turista em falta. Encaminhou-o para o grupo.

– Alexander, prazer em conhecer-te – o moreno cumprimentou, parando de puxar a mala de viagem que trazia e estendendo a mão a Aurora.

– Prazer – murmurou, apertando-lhe a palma com rapidez e seguindo o grupo pelo estreito corredor.

De olhos castanhos-escuros e um sorriso franco Alexander, ou Alex como fez questão de informar depois, olhou-a de alto a baixo.

Aurora franziu a testa e desviou o rosto para onde o guia dava indicações sobre as modestas divisões por baixo do convés. Uma semana fechada em espaço exíguo com um estrangeiro atrevido aborrecia-a um pouco, mas precisava concentrar-se no que aí vinha. Nos seus planos não estava incluído entreter ninguém, pelo que se esforçou por ignorar a presença do rapaz que não parava de oferecer comentários e perguntas.

Aurora puxou os pés para cima do assento que ladeava a popa do barco. Enfiou as mãos dentro das mangas do enchumaçado casaco e olhou o céu. A noite escura não deixava ver mais do que meia-dúzia de estrelas que espreitavam entre o que seriam nuvens. O vento gelado cortava a respiração. Mesmo de luvas e gorro enfiado, a aragem era como facas a cortar-lhe a pele do rosto. Desejava que Marco estivesse mesmo ali. Não apenas uma figura da sua mente desarranjada, que lhe aparecia a cada curva, mas realmente ali. Expirou fundo, exalando uma névoa branca pela boca.

– Isto é lindo – a voz de Alex soou atrás dela.

Com um ruído concomitante, Aurora manteve-se imóvel. Nem no Árctico tinha paz.

– Posso? – perguntou, apontando com o queixo para o espaço à frente dela.

– Sim – retorquiu, voltando o rosto para o céu enquanto continha um esgar.

– De onde és?

– Portugal – respondeu, calando-se de seguida.

– Ah! Gosto muito de Portugal. Um clima óptimo. Eu sou de Inglaterra. Sussex, para ser exacto. Falas Inglês na perfeição. Porque escolheste esta viagem?

– Vou para dentro. Está frio. – Aurora declarou, levantando-se e rumando ao pequeno quarto que lhe havia sido atribuído.

– Desculpa. Não quis ser inoportuno. Fica. Eu vou – pediu Alex, levantando-se e descendo as escadas.

                Aurora estacou no meio do convés. Praguejou em Português e foi atrás de Alex, apanhando-o a abrir a porta do quarto, ao lado do seu.

– Desculpa. Não queria ser rude – pediu, com um ligeiro sorriso.

– Sem problemas – ele murmurou, avançando para dentro do quarto.

– A sério. Eu… esta viagem é uma despedida de alguém que me era muito querido. Não quis ofender… – Aurora acrescentou, perguntando-se porque estaria tão preocupada com as sensibilidades de Alex.

Os olhos dele iluminaram-se, sorriu e acrescentou. – Entendo. Não queria importunar. Às vezes sou um bocado agressivo.

Aurora deu uma pequena gargalhada e retorquiu. – Dei por isso. Até amanhã.

– Até amanhã.

O clique do fecho soou pela pequena divisão. Um beliche preso à parede, um pequeno armário à cabeceira e um outro, um pouco maior, onde enfiar as malas de viagem. Tudo inamovível, fixo nos interiores feitos de ripas de madeira avermelhada. Aurora inspirou fundo, procurando ignorar a sensação de clausura. Nem uma escotilha na parede, nem um fio de luz natural. Um canto onde dormir e era tudo. Sentou-se na cama inferior do beliche e deixou-se embalar pelo ritmo da ondulação.

– Olá, meu amor – encostado à porta, Marco sorria.

– Olá – murmurou Aurora, fechando os olhos e voltando a abri-los.

– Foste mazinha para ele.

– É um chato!

– Está sozinho nesta viagem. Porque será?

– Não sei…

– Reparei nisso. Amanhã, podes perguntar porquê – ele sugeriu.

– Porque faria isso? Esta viagem é minha. Nossa.

– Amor, esta viagem é uma despedida.

– Eu sei, Marco. Eu sei – ela retorquiu, apertando a manta com os dedos e contendo as lágrimas.

– Vive, amor. O tempo não espera. Esta é a nossa última viagem.

Aurora tardou a pegar no sono. Com uma dor imensa dentro do peito e um desconforto no corpo, rodou no leito estreito até de madrugada. Marco queria que ela vivesse. Mas morto, estava em vida… na dela.

Tua Aurora