– Pai? Foste tu. – Nico sussurrou-lhe ao ouvido.

De rosto tombado, o corpo abanava ao ritmo das lágrimas que escorriam, humedecendo as mãos que seguravam qualquer coisa.

– Tu sabias, e não fizeste nada.

Os curtos cabelos castanhos revolteavam à volta do rosto, como se tivessem sido puxados com violência.

– Perdoa-me, Mira – o pai murmurou, continuando ao fim de um momento. – Perdoem-me, Alice e Nico.

Nico pulou para cima da cama e encostou os lábios ao ouvido dele. – Vamos. Tu não tens coragem. Não és meu pai. Odeio-te. A mãe odeia-te.

O soluço abanou-o, as lágrimas pingando sobre a pistola reluzente que segurava na palma da mão. Levantou a arma e introduziu o cano na boca.

– Vamos! Não tens coragem. Acaba com isto. – Nico gritava, pulando em volta do pai.

O clique soou e o estouro ecoou pela casa. O corpo tombou para trás e, ao tocar no colchão, Nico imobilizou-se sobre o rosto do pai. Olhou-o por uns momentos. Apertou as pálpebras e sentou-se ao seu lado, agarrando os joelhos com as mãos. Apertou-os com força e deixou-se ficar ali.

– Não te odeio, pai. – declarou, embalando-se para a frente  e para trás.

 

Não saiu da cabeceira do pai enquanto ele esteve só, abanando-se sem parar, contemplando o chão. Todos os que importavam já estavam do outro lado… mas ele continuava ali. Porque continuava ali? Ele não a queria do outro lado. Nem sabia o que havia por lá. Não ia levá-la com eles. Viver era o castigo dela.

A porta da rua fechou-se. Uma voz aguda chamou pelo pai. O barulho de coisas atiradas para o chão, de passos a percorrerem o corredor, a porta a deslizar, os longos cabelos loiros que lhe emolduravam o rosto tão parecido com o da sua mãe e, por fim, um grito.

 

De frente para a irmã, Nico odiou cada traço daquele rosto, cada cheiro dela tão distinto, cada memória que ela lhe trazia. A sua presença enraivecia-o. Fechou os olhos, afastou-se. Inspirou fundo, reconhecendo o que todos os outros ignoraram por tanto tempo. A mãe, o pai, o tio, nenhum sabia. Via-o agora com uma clareza que o assustava. Como podiam não saber?

Encarou a irmã, que não se mexera um milímetro, de olhar pregado no corpo do pai, como se não acreditasse no que os olhos viam e esperasse que a imagem se reconstruísse à sua frente. Ela sempre soubera como esconder.

Nico, com as mãos em punhos e o gosto de sangue na língua, desejava fazer-lhe aquilo que ela lhe fizera a ele. Ali não havia dúvida… Fora ela que o fizera.

actos de dor