Xavier apertou o fecho do fato de macaco e colocou a pesada mochila às costas. Respirou fundo antes de começar a subir a longa escadaria de metal. Se o engenho funcionasse, estava prestes a entrar para a História. Dedicara os dois últimos anos da sua vida a conceber aquela máquina, fechado na pequena oficina, quase sem ver a luz do Sol. Sem o apoio de Helena, provavelmente já teria desistido daquele sonho que tantos apelidavam de infantil. Contudo, a sua esposa não o deixara desistir, apoiara-o nos piores momentos dando-lhe forças para continuar.

O som das botas de couro a embater contra o piso metálico preenchia o apertado corredor. Por fim, chegou ao topo. Foi de imediato confrontado com uma vista panorâmica da cidade em todo o seu frenesim. Do topo do edifício, conseguia ver o vapor sair das altas chaminés das fábricas ou dos veículos que circulavam nas movimentadas ruas. Nas margens rio que atravessava a cidade, as gigantescas rodas dentadas da ponte metálica giravam. O mecanismo recolhia o passadiço de forma a permitir a passagem de um barco.

Colocou o capacete e calçou as luvas de couro. Do bolso do fato retirou um par de óculos de protecção e meteu-os no rosto. Pela última vez, examinou os instrumentos que pendiam do fato e da mochila. Tudo parecia pronto para testar o protótipo. Só chegara ao desenho final há dois meses. Ao fim de anos de trabalho, fora o único modelo que, segundo os seus cálculos, seria capaz de voar. Pelo menos em teoria…

Aproximou-se da beira do telhado. O coração batia cada vez mais depressa com a chegada do derradeiro momento. Se algo falhasse, esperava-o uma queda de quinhentos metros. O engenho que trazia impedia-o de usar qualquer tipo de paraquedas caso a experiência corresse mal.

Fechou os olhos e respirou fundo. Viu o rosto de Helena, doente e acamada. A sua mulher fora vítima de uma doença grave, e o seu estado piorava de dia para dia. Xavier gastara todas as poupanças em medicação, mas os tratamentos eram caros. Falido e sem ajuda, restava-lhe agora a esperança de conseguir concretizar o seu sonho. Se a invenção funcionasse, poderia vendê-la e pelo dinheiro de que tanto precisava. Se desistisse agora, Helena estaria condenada e o trabalho dos últimos anos seria desperdiçado. Não se podia acobardar. Deu um paço em frente e saltou.

Sentiu o ar a bater-lhe no rosto a uma velocidade furiosa. Estava em queda livre. Levou a mão à pequena alavanca que lhe pendia da mochila. Puxou com força.

Um par de asas mecânicas surgiu nas costas de Xavier. Estendeu-as em toda a envergadura e a velocidade da queda abrandou, todavia continuava a perder altitude.

Com a mão esquerda, pressionou um pequeno botão preso por um cabo, que saía das asas. Estas bateram quando o mecanismo foi accionado. Repetiu o processo tentado travar a queda, mas o mecanismo encravou.

Com o chão cada vez mais próximo, os nervos começaram a apoderar-se de si. Prestes a ser abraçado pela morte, recordou-se de Helena. Ela jazia febril numa cama. Sem Xavier para cuidar dela, estaria condenada a sucumbir à doença. Não, ele não podia deixar que isso acontecesse. Em desespero, voltou a pressionar o botão. Nada. Tentou novamente e, como que por milagre, a mola do pequeno botão vermelho desprendeu e as asas bateram. Porém, perdera já muita altitude e era agora capaz de distinguir sem dificuldades os paralelos que formavam o pavimento da rua. Se a invenção realmente funcionasse, estava na hora de o demonstrar.

Pressionou o botão uma, duas, e três vezes. As asas mecânicas chiaram enquanto as várias roldanas e rodas dentadas se moviam, fazendo-as bater. Com elas abertas em toda a envergadura travou a queda. Uma corrente de ar ascendente atingiu as fibras que formavam as membranas das asas, impulsionando-o. Procurou contrariar a corrente que o tentava virar, atirando-o contra um dos prédios. Por fim, para seu alívio, conseguiu estabilizar o engenho. Planava.

Inclinando-se, virou para a direita, afastando-se dos prédios mais altos. Na rua as pessoas olhavam para cima espantadas. Nunca ninguém vira um homem voador… Um grupo de crianças que brincava no parque que agora sobrevoava começou a correr atrás dele, apontando com os dedos e chamando a atenção dos adultos. Estes olhavam boquiabertos para Xavier, sem compreenderem o que viam.

Satisfeito com os resultados, Xavier ganhou confiança e bateu as asas repetidas vezes até começar a ganhar altitude. Quando deu por si, estava a partilhar os céus com os zepelins que sobrevoavam a cidade. Tinha conseguido, o engenho funcionava! Já podia voltar para junto de Helena. Tinha de lhe contar…

o_homem_voador